Breve história do mecenato
Por: Jocê Rodrigues
O termo surge em homenagem a Caio Mecenas (68 – 8 a.C.), principal conselheiro do primeiro imperador romano, Otávio Augusto. Rico e refinado, Mecenas cultivou o costume de apoiar financeiramente poetas e artistas. Foi assim que reuniu em torno de si um círculo composto dos maiores nomes da literatura na época, como, por exemplo, o poeta Virgílio ao qual Mecenas introduziu no seio das relações do Imperador.
A seu protetor, o maior poeta latino dedicou as Geórgicas, antes de escrever, a pedido de Augusto, um longo poema que tivesse como finalidade exaltar a nobre origem do Império Romano. Dessa relação entre Mecenas, Virgílio e Augusto surgiu a Enéida, marco da literatura ocidental. As contribuições de Mecenas, aliadas à disposição que tinha para consumir enormes quantias em apoio à produção intelectual e cultural de seu tempo, foram tão significativas que deixaram seu nome gravado para a eternidade como protetor das artes.
Muito tempo depois da queda do Império idealizado por Otávio, próximo ao fim do período conhecido como a Baixa Idade Média, a prática do mecenato é adotada pela alta cúpula da Igreja Católica, e também por banqueiros e ricos comerciantes. Já no Renascimento, a cultura passa a ser “guardada” também por reis, aristocratas e por importantes famílias italianas como os Médicis em Florença, os Sforza em Milão, os Doria em Gênova e os Borghese em Roma. Cruciais foram também os papados de Nicolau V (1447-1455), Alexandre VI (1492-1501) e Leão X (1513-1521).
Rafael Sanzio (1483-1520), Michelangelo (1475-1564) e Leonardo da Vinci (1452-1519), assim como tantos outros pintores, poetas e escritores, foram alguns dos que se beneficiaram do mecenato desse período, encontrando em seus mecenas todo o aporte necessário para que pudessem criar. O apoio vinha principalmente de figuras proeminentes como os papas e seu círculo de amigos, além de seus familiares, que de certo modo ascendiam ao poder junto com eles.
No entanto, o mecenato teve seu apogeu na Roma do século XVII, mais precisamente durante o papado de Urbano VIII, que teve início em 1623. Segundo o historiador da arte Francis Haskell (1928-200), os artistas (principalmente pintores e escultores) de então não viam com bons olhos a autonomia que tinham para trabalhar com admiradores e compradores desconhecidos.
Era muito mais preferível e procurada a relação de servitú particolare, na qual o artista encontrava no mecenas um empregador regular, que o recebia em seu palácio e que lhe pagava o preço de mercado das obras produzidas, além de um atrativo honorário mensal. Em troca, o pintor se propunha a trabalhar exclusivamente para o mecenas e seu grupo de amigos. Em outras palavras, eles fugiam de exposições como o diabo foge da cruz. Expor era coisa para artista desempregado e à beira do desespero.
No quesito contratual, o número de exigências e cláusulas colocadas nos contratos entre mecenas e artistas poderia ser bem alto. Algumas delas incluíam a dimensão e posicionamento da tela ou afresco e a iluminação do lugar. Quando o artista residia distante de seu mecenas, era comum que estas e outras questões fossem resolvidas por meio de uma grande quantidade de correspondências antes do trabalho ser, de fato, iniciado.
Um olho no peixe, outro no gato
Nessa altura, quem vivia de sua arte precisava estar atento também às mudanças de poder. Bastava iniciar um novo papado para que ricos e poderosos se agrupassem numa corrida para abocanhar cargos e posições. Aqueles que fossem bem sucedidos nessa empreitada, compravam palácios e mansões e mandavam construir capelas que deveriam ser decoradas com o que havia de melhor na arte do período.
Os mecenas eram competidores vorazes. Assim sendo, no caso dos artistas, era preciso certa precaução, pois seria difícil para um pintor encontrar trabalho no novo governo se estivesse muito ligado a uma figura importante da administração anterior que tivesse caído em desgraça. Pensando nisso, alguns daqueles que já tinham uma carreira consolidada, achavam por bem fazer outro tipo de acordo com seus protetores. Eles podiam, por exemplo, trabalhar por conta própria e continuar a receber uma quantia mensal para garantir a seu benfeitor prioridade sobre outros clientes.
Tempos modernos
A passagem do tempo fez desfilar muitos outros mecenas famosos através da história. Nomes como os de Lorenzo de Medici (1449-1492), Ercole I d’Este (1431-1505), Vicenzo Gonzaga (1562-1612), Eusebi Güell (1846-1918), de Kathleen Annie Pannonica de Koenigswater (1913-1988), popularmente conhecida como Nica, ou simplesmente a Baronesa do Jazz. No século XX, outro tipo de mecenato passou a ser empregado: o dos grandes empresários. Época de mantenedores como Peggy Guggenheim, Andrew Carnegie e John Rockfeller.
No Brasil, podemos citar os nomes de Assis Chateaubriand (1892-1968) e Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977), que deixaram seus legados como investidores das artes na forma de duas das maiores instituições do país: o Museu de Artes de São Paulo (MASP) e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Pode figurar nessa lista também o empresário Bernardo Paz, dono e idealizador do Instituto Inhotim, em Minas Gerais. Antes de ser condenado por lavagem de dinheiro em 2017, o dono de um dos maiores museus a céu aberto do mundo e ex-marido de Adriana Varejão, já carregou a alcunha de “maior mecenas da arte brasileira”.
Hoje, quem mais se beneficia deste laço não são mais artistas, escritores ou poetas em busca de um lugar ao sol. No lugar deles estão youtubers, jogadores de futebol e os tais digital influencers. São deles as atenções, os louros e, é claro, a grana. Aos artistas, no sentido restrito da palavra, restam as desgastadas leis de incentivo e as residências artísticas que deixam seus contemplados à sombra de grandes instituições.
Se antes o que estimulava os ricos patronos e matronas era o poder e o status advindos do apoio financeiro a jovens ou a talentos já reconhecidos do campo das artes, agora é o espetáculo midiático que move as engrenagens. Ocorre a passagem do mecenato ao marketing simples e direto. Não que antes não se buscasse visibilidade frente à sociedade e aos amigos. Mas a moeda de troca mudou. Para que apoiar a formação de um pintor/escultor/gravurista, quando se pode comprar um time de futebol inteiro ou investir em uma rede de canais do YouTube?
Outra forma de relação que substituiu na história do mecenato foi a que a pintora e gravurista Jussara Age, durante um conversa informal que tivemos na casa da também artista visual Estela Sandrini, argutamente chamou de “mecenato de parede”. Trata-se dos contratos entre artista e galeristas que “emprestam” suas paredes para eventuais exposições, na intenção de que haja uma divisão de lucros de cada obra vendida.
“Investimento financeiro em formação de jovens artistas? Esqueça!”, foi o que ela disse enfaticamente. É natural. Afinal, os tempos mudaram. E com eles mudaram também a compreensão do que é arte e do que faz um artista. Os mecanismos também são outros. Só não mudam as dificuldades, os medos e as incertezas.
* Publicado originalmente no Estado da Arte.